quarta-feira, junho 08, 2005

Interatividade

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO II
INTRODUÇÃO A INFORMÁTICA À EDUCAÇÃO
Vinicius Silva


INTERATIVIDADE


Interatividade é um caso específico de interação, a interatividade digital, compreendida como um tipo de relação tecno-social, ou seja, como um diálogo entre homem e máquina, através de interfaces gráficas, em tempo real. Entretanto, para Lévy (1999:82) "a interatividade assinala muito mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação do que uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema específico", não se limitando, portanto às tecnologias digitais.
Assim, nossas discussões giraram em torno da distinção entre interação e interatividade; as perguntas fluíam, umas entrelaçadas noutras.
Esse conceito de interatividade é bem mais recente que o conceito de interação, o qual vem sendo utilizado nas mais variadas ciências como "as relações e influências mútuas entre dois ou mais fatores, entes, etc. Isto é, cada fator altera o outro, a si próprio e também a relação existente entre eles" (Primo & Cassol, 1999). Já o termo interatividade surgiu no contexto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC), com a denominada geração digital. Entretanto, o seu significado extrapola esse âmbito. Para Silva (1998:29), a interatividade está na "disposição ou predisposição para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade - fusão emissão-recepção -, para participação e intervenção". Portanto, não é apenas um ato de troca, nem se limita à interação digital. Interatividade é a abertura para mais e mais comunicação, mais e mais trocas, mais e mais participação. É a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressivamente complexo, e, ao mesmo tempo, atentando para as interações existentes e promovendo mais e melhores interações - seja entre usuário e tecnologias comunicacionais (hipertextuais ou não), seja nas relações (presenciais ou virtuais) entre seres humanos. (Silva, 1999:155). Essa abertura a um "mais comunicacional" pode e deve ocorrer em todas as formas de relação, sejam elas presenciais ou não, estejam elas utilizando tecnologias hipertextuais ou não, visto que essa predisposição é inerente ao ser humano. A nossa postura frente a uma sessão de cinema, por exemplo, mostra a necessidade que temos de querer retroceder, voltar, adiantar, para que possamos analisar alguma coisa que não entendemos ou saltar algo que não nos interessa, de acordo com a nossa vontade. Apesar do vídeo oportunizar esse avançar e retroceder, expressando algum nível de intervenção, isso ainda não satisfaz a necessidade que temos de redirecionar o fluxo comunicacional.
Essas possibilidades advindas com os avanços tecnológicos, apesar de não transformarem o vídeo, a TV, o rádio, em meios interativos, nos instigam a querer transgredir a lógica de comunicação tradicional, unidirecional, predefinida, massiva. Se podemos perceber essa inquietação nos adultos que pertencem à geração da TV, mais acostumados à recepção passiva, o que podemos dizer da nova geração que nasce imersa no contexto das NTIC, onde a lógica comunicacional é a da interatividade?


Para a educação, a compreensão desses conceitos e contextos é de fundamental importância, uma vez que a relação pedagógica é uma relação entre seres humanos imersos numa determinada cultura, por isso mesmo transformadores dela. Logo, a todos os sujeitos da educação deve ser oportunizada essa abertura a um "mais comunicacional".
Há uma crescente utilização do adjetivo "interativo" para qualificar qualquer coisa (computador e derivados, brinquedos eletrônicos, eletrodomésticos, sistema bancário on-line, shows, teatro, estratégias de propaganda e marketing, programas de rádio e tv, etc.), cujo funcionamento permite ao usuário-consumidor-espectador-receptor algum nível de participação, de troca de ações e de controle sobre acontecimentos. Podemos dizer então que há uma indústria da interatividade em franco progresso acenando para um futuro interativo.
As tecnologias digitais renovam a relação do usuário com a imagem, com o texto, com o conhecimento. São de fato um novo modo de produção do espaço visual e temporal mediado. Elas permitem o redimensionamento da mensagem, da emissão e da recepção. Na modalidade comunicacional massiva (rádio, cinema, imprensa e TV), a mensagem é fechada uma vez que a recepção está separada da produção. O emissor é um contador de histórias que atrai o receptor de maneira mais ou menos sedutora e/ou impositora para o seu universo mental, seu imaginário, sua récita. Quanto ao receptor, seu estatuto nessa interação limita-se à assimilação passiva ou inquieta, mas sempre como recepção separada da emissão.
Na modalidade comunicacional interativa permitida pelas novas tecnologias informáticas, há uma mudança significativa na natureza da mensagem, no papel do emissor e no estatuto do receptor. A mensagem torna-se modificável na medida que responde às solicitações daquele que a consulta, que a explora, que a manipula. Quanto ao emissor, este assemelha-se ao próprio designer de software interativo: ele constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Este, por sua vez, torna-se "utilizador", "usuário" que manipula a mensagem como co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor. Essa mudança estrutural da pragmática comunicacional não ocorre simplesmente porque o computador tornou-se conversacional. Neste caso, o que se pode dizer é que o computador conversacional é o marco definitivo dessa modificação paradigmática da comunicação. É reducionismo dizer que a evolução tecnológica e conceptual do computador conversacional é resultado do investimento capitalista em diversificação e sofisticação do produto (computadores) para conquistar mais mercado. Para evitar tal reducionismo é preciso considerar que a tendência geral da sociedade é a informação, a comunicação - como sustentam os teóricos da "sociedade de informação" -, e que a sociedade transita da lógica da distribuição para a lógica da comunicação. Considerando-se esse horizonte mais amplo, pode-se ter como previsível e indexado o investimento maciço dos capitalistas em comunicação, em informação. Daí tornar-se igualmente previsível e indexada a evolução das tecnologias de comunicação que passam a disponibilizar um mais comunicacional, ou seja, tornando-se conversacionais, interativas. Portanto, quando a tendência do social é a informação, a comunicação, quando os investimentos em novas tecnologias comunicacionais são cada vez mais intensos, e quando essas tecnologias evoluem para o mais comunicacional, tem-se aí as bases de uma modificação estrutural da comunicação e não simplesmente do computador conversacional engendrado pelo capitalismo, simplesmente, como causa e efeito.
As tecnologias digitais tendem, por sua vez, a contemplar as disposições da nova recepção. Elas permitem a participação, a intervenção, a bidirecionalidade e a multiplicidade de conexões. Elas ampliam a sensorialidade e rompem com a linearidade e com a separação emissão/recepção. Sua disposição à interatividade permite ao usuário ser o ator, ser o autor, "cujas capacidades imaginativas e criativas podem se revelar de uma complexidade, de uma riqueza notáveis, sem lhe proibir nem a contemplação nem a meditação".[1] Sua disposição interativa permite que em seu passeio livre, o espectador possa "organizar sua própria duração e o conteúdo do seu programa. (...) Cada um estabelecendo seu próprio discurso na profusão de possíveis será o detentor de uma combinatória única."[2] Cada um podendo ver, ouvir, ler, gravar, voltar atrás, ir a diante, enviar, receber e modificar conteúdos e mensagens entendidos como espaços de intervenção, de negociação inacabados. Cada um experimentando não mais a disjunção da emissão/recepção, mas a co-autoria.
A interatividade não emerge somente na esfera técnica. Emerge também na esfera social. A pregnância das tecnologias interativas ocorre não apenas por imposição da técnica e do mercado, mas também porque contemplam o perfil comunicacional do novo receptor. Este, por sua vez, vem aprendendo a não passividade diante da emissão desde o controle remoto. A prática do zapping vem cultivando o interesse do usuário em interferir na informação que recebe via TV. Ele quer construir seu próprio programa saltando de um canal para outro. Certamente que neste caso não há interatividade, uma vez que zapear não modifica o conteúdo da mensagem, apenas embaralha fragmentos dados, mantendo ainda a posição passiva do consumidor. Mas a prática de saltar de canal em canal compondo uma linearização alternativa não apenas criou este hábito, veio atender ao interesse do receptor incapaz de acompanhar argumentos lineares e daquele que não tolera programação manipulativa. Em suma: o controle remoto responde ao interesse dos públicos, ele não apenas se impõe; este pensamento vale também para a interatividade disponibilizada pela infotecnologia.
Mobilizada e/ou despolitizada, a participação-intervenção dos públicos encontra nas tecnologias interativas cadeias aleatórias complexas de fluxos e flutuações sobre os estados e as coisas. Encontra o crescimento da trama tecnológica gerando ameaças proporcionais às esperanças de bem-estar. As populações passam a operar tecnologias interativas que podem significar abertura para mais e melhores interações. Ainda assim, elas podem dispor mais do algoritmo combinatório e saber menos como ampliar seu horizonte de possibilidades na perspectiva de um presente e de um futuro menos ameaçados.
O papel do professor passa a ser ainda mais importante do que o papel do facilitador ou do transmissor, seja ele crítico ou não. O professor necessita trabalhar num contexto criativo, aberto, dinâmico, complexo. Em lugar da adoção de programas fechados, estabelecidos a priori, passa a trabalhar com estratégias, ou seja, com cenários de ação que podem modificar-se em função das informações, dos acontecimentos, dos imprevistos que sobrevenham no curso dessa ação (Morin, 1996:284-5). Isso implica trabalhar com incertezas, com complexidades. Na relação professor-aluno-conhecimento deve estar presente a interatividade, não como consequência da presença das novas tecnologias, mas como foco, como uma característica, um requisito, para a construção do conhecimento. Nesse contexto, institui-se uma nova dinâmica: o trabalho do professor intensifica-se, estrutura-se uma nova relação pedagógica e exige-se uma nova plataforma de trabalho, uma nova organização da escola, uma nova competência técnica e política dos professores.
A interatividade é uma característica relevante no atual contexto tecnológico. Associada à comunicação, seu significado tem origem na possibilidade de se estabelecer um relacionamento simultâneo entre o homem e os diversos ambientes que o cercam provocando reconfigurações mútuas. A interatividade pode ser determinada sob vários aspectos de relacionamentos. Atualmente, o avanço da tecnologia e da comunicação deram maior vida a este conceito fazendo com que ele passasse a ser usado de forma indiscriminada, livre, mantendo relação pouco estreita com a verdadeira acepção do termo. Interatividade passa a se usada mais como um apelo de venda do que como um vocábulo descritivo da relação assumindo várias vezes significados incorretos, confundindo-se com outros elementos tecnológicos como interface e multimídia.
Entendendo a interatividade como um processo simultâneo entre dois agentes em direção a um mesmo objetivo, capaz de provocar mudanças comportamentais entre estes agentes, fica fácil enxergar sua importância dentro do contexto atual. O computador, agente fundamental nas relações sociais contemporâneas têm permitido o estabelecimento de interações múltiplas identificadas pelos relacionamentos homem-máquina , máquina-máquina. homem- técnica etc.. Mas , o processo de interação usuário-computador é construído principalmente pela utilização das interfaces apresentadas nos softwares. E para que esta interação aconteça da melhor maneira possível é necessário que a construção destas interfaces sejam aprimoradas, trabalhadas de forma a proporcionar maior poder de diálogo, instantaneidade de respostas e alterações nos comportamentos dos agentes envolvidos.
Estas características por certo, irão fazer da interatividade um processo cada vez mais almejado na construção de relacionamentos. A educação, segmento onde este conceito tem sido explorado de forma significativa reconhece que a interatividade facilita a aprendizagem . Neste setor, os diversos recursos tecnológicos como as interfaces, a multimídia , a web, têm sido utilizados de forma a facilitar cada vez mais as práticas interativas.
Mas é necessário observar que os processos interativos só apresentarão resultados positivos se estiverem integrados em um contexto estrutural de mudanças diante da vida, do mundo, dos indivíduos de forma aberta e participativa. Integrar é a palavra chave , integrar o humano, o tecnológico, através de relacionamentos capazes de regular as trocas e reconfigurar tanto o mundo interior quanto exterior.
Em razão disto Lévy afirma que "nossa mente é a melhor tecnologia, infinitamente superior em complexidade ao melhor computador, porque pensa, relaciona, sente, intui e pode surpreender. Faremos com as tecnologias mais avançadas o mesmo que fazemos conosco, com os outros, com a vida. Se somos pessoas abertas, as utilizaremos para comunicar-nos mais, para interagir melhor. Se somos pessoas fechadas, desconfiadas, utilizaremos as tecnologias de forma defensiva, superficial. Se somos pessoas autoritárias, utilizaremos as tecnologias para controlar, para aumentar o nosso poder. O poder de interação não está fundamentalmente nas tecnologias mas nas nossas mentes. "(Lévy, pág.).





REFERÊNCIAS

[1] COUCHOT. Edmond. "A arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o espectador na hora do tempo real". In: DOMINGUES, Diana (org.). A arte no século XX: a humanização das tecnologias. São Paulo: UNESP, 1997, p. 142.
[2] RABATÉ, François & LAURAIRE, Richard. "L'interactivité saisie par le discours'. In: Bulletin de l'IDATE. Paris: Centro Georges Pompidou, julho/1985, nº 20, p. P. 57.

Fonte: http://www.senac.br/informativo/BTS/263/boltec263c.htm
(pesquisa realizada em março/2005)

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MACHADO, Arlindo. Anamorfoses Cronotópicas ou a Quarta Dimensão da Imgem. In: Imagem Máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.

LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo. Sobre interatividade e interafaces digitais.

SILVA, Marco. Que é Interatividade in Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro, v.24, n.2 maio/ago, 1998

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. 3a ed., Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1999.

PRIMO, Alex e CASSOL, Márcio. Explorando o Conceito de interatividade: definições e taxonomias [http://usr.psico.ufrgs.br/~aprimo/pb/pgie.htm] 05/06/00

PRETTO, Nelson. Uma escola sem/com futuro. Educação e Multimídia, Papirus,1996.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência, o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo, Editora 34, 2000

Nenhum comentário: